Médico Especialista
em Oncologia
Coordenador Hospital de Dia Oncologia – Gambelas
HPA Magazine 9
O diagnóstico e o tratamento da doença oncológica evoluíram de forma fantástica na última década. No entanto, continua a ser uma palavra assustadora devido sobretudo à incógnita que coloca à sobrevivência e à qualidade de vida.
Apesar do Registo Oncológico Regional do Sul (Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Madeira) afirmar resultados positivos relativamente à sobrevivência dos cancros do cólon, reto e mama, a verdade é que também regista mais de vinte e quatro mil novos casos por ano. Ou seja, a cada hora, três novos casos de cancro são diagnosticados no sul do país e/ou na região autónoma da Madeira.
Fomos esclarecer-nos sobre o cancro.
O que evoluiu mais nos últimos anos, o diagnóstico ou o tratamento?
Estes últimos anos estão a ser revolucionários na área do combate ao cancro. A chegada constante de novas terapêuticas, como a imunoterapia e as terapias alvo, a par dos seus bons resultados indicam que nos encontramos no bom caminho para o seu tratamento ou cura.
A melhoria de técnicas de diagnóstico está também neste momento em destaque. Técnicas de estudo genético, outrora dificilmente acessíveis e morosas, tornaram-se agora acessíveis a qualquer paciente. Neste momento, o acesso a estudos de células tumorais circulantes e o uso de biópsias líquidas para pesquisa de mutações oncogénicas tornou-se uma realidade para certo tipo de patologias como cólon, pulmão ou melanoma.
Quer dizer que as técnicas genéticas e as biópsias líquidas oferecem resultados diagnósticos mais precisos quando comparados com técnicas de imagem, como a ressonância magnética ou a tomografia por emissão de positrões?
Não, neste momento oferecem mais uma ajuda no diagnóstico. Estamos numa fase inicial, de introdução no uso clínico; ainda são técnicas novas em processo de melhoria no que concerne a especificidade e sensibilidade diagnóstica. Ainda não substituem os exames mencionados.
Falou de terapêuticas-alvo e imunoterapia. O que são uma e outra?
As terapias-alvo são fármacos que possuem caraterísticas especiais para atuarem em alterações específicas que se encontram na gênese do crescimento de células tumorais. Este ataque preferencial do tumor permite poupar células normais, diminuindo assim significativamente os efeitos secundários comuns aos muitos citotóxicos.
Os tratamentos de imunoterapia são formas mais recentes no tratamento das doenças oncológicas. Os tratamentos são administrados de forma endovenosa ou, alguns de forma subcutânea para atuar de forma sistémica, em regime de Hospital de Dia. Estes podem ser terapias ativas ou passivas. Ativas quando permitem amplificar respostas imunológicas do paciente contra células “estranhas”. Passivas quando permitem que certos anticorpos (geralmente produzidos artificialmente) ataquem locais específicos das células que promovem o crescimento tumoral.
Já tive oportunidade de ouvir o Prof. Sobrinho Simões dizer muitas vezes que o cancro é uma “roleta”, mas continua a ser verdade que os hábitos saudáveis ajudam na sua prevenção, correto?
Sim. Os hábitos saudáveis são de vital importância. Cada ano que passa temos mais dados para valorizar com maior evidência a prevenção primária como um meio eficaz na redução de novos casos de cancro. A melhoria de alguns determinantes de saúde como os estilos de vida (alimentação, atividade física, tabagismo, álcool) permite reduzir a exposição a tóxicos que se encontram envolvidos no aparecimento de tumores.
E onde entra afinal a “roleta”, a sorte?
Nesta analogia podemos comparar a roleta aos fatores de exposição e de risco e outros determinantes de saúde e a bola à programação genética da própria pessoa. A combinação dos dois resulta ou pode resultar numa má sorte. O ideal seria retirar o máximo de números de azar da roleta (evitar comportamentos de risco) pois quanto à bola pouco se pode fazer.
E quanto à predisposição genética? Como se manifesta na doença oncológica e como devem as pessoas atuar se estiverem incluídas nesse grupo?
A predisposição genética está relacionada com a maior probabilidade de um individuo desenvolver cancro de acordo com alterações genéticas previamente conhecidas.
No HPA, os pacientes poder-se-ão informar melhor após uma consulta de genética médica. Geralmente esta consulta é aconselhável a pessoas com potencial de terem alterações genéticas com base no seu historial médico ou familiar. Nestes casos podem ser implementados certos programas de rastreio precoce, de modo a atingir a cura apenas com cirurgia em estadios precoces, evitar exposição a certos riscos, ou adotar certas atitudes mais interventivas profiláticas após discussão em reuniões multidisciplinares.
Qual o cancro que presentemente apresenta maior sobrevida?
As sobrevidas do cancro dependem muito do estadio em que são diagnosticadas. Dito isto, a neoplasia do testículo é a que ainda possui a maior sobrevida mesmo em estadios mais avançados.
Qual o cancro que tem aumentado mais em termos de prevalência?
Há que saber distinguir prevalência e incidência. Sendo que incidência é o número de novos diagnósticos e a prevalência o número de pessoas vivas com o diagnóstico. Em termos de prevalência o cancro da mama é o que possui a maior prevalência, em parte pela melhoria no tratamento e maiores sobrevidas e, por outro lado, pelas melhorias no rastreio.
Quanto à incidência a maior incidência dos tumores em Portugal são os tumores da mama, próstata, cólon e pulmão. Em termos de aumento de incidência verificamos um maior número de mulheres a desenvolver neoplasia do pulmão. Tal facto muito relacionado com os hábitos tabágicos.
Há cancros que metastizam mais que outros. Qual a razão?
Existem cancros que ao diagnóstico são detetados em estadios mais tardios e por isso tiveram mais tempo para invadir os vasos sanguíneos e/ou linfáticos aumentando o risco de libertação de células malignas para a circulação e subsequente metastização. Os tumores que possuem caraterísticas como menor adesão ao tumor primário e uma maior capacidade de invasão são os que metastizam mais frequentemente.
Há fatores ambientais que precipitam a metastização?
De momento, não existem evidências científicas claras que possam associar diretamente um fator ambiental ao maior risco de metastização.
O Algarve possui os meios adequados para o diagnóstico e o tratamento da doença oncológica?
Sim. A região do Algarve possui condições adequadas para o diagnóstico e tratamento. Atualmente existem em curso esforços colaborativos quer de entidades privadas, quer públicas, para dotar a região de uma maior capacidade de diagnóstico e tratamento, assim como de investigação como é exemplo a parceria científica do HPA com o Centro Académico de Investigação e Formação Biomédica do Algarve (ABC). Acredito em uma cooperação entre as várias instituições de Saúde e Académica como meio de valorização da região e de crescimento científico e social. A região é pequena demais para que as instituições locais estejam de costas voltadas.
O Hospital de Dia de Oncologia do Hospital de Gambelas comemorou este ano seis anos de existência. Como resumiria este percurso e que disponibilidades apresenta atualmente o serviço?
A história do Hospital de Dia iniciou-se há seis anos sob a alçada do Dr. António Fráguas. Contou desde então com um conjunto de profissionais dedicados que ajudaram, ao longo destes anos, a construir uma unidade de oncologia sólida e a transmitir a experiência adquirida hoje. Neste momento, possuímos várias equipas multidisciplinares com reuniões regulares e temos acesso às técnicas mais recentes, assim como aos últimos tratamentos disponíveis na área e também a técnicas inovadoras como o uso de Hipertermia.
Está previsto para breve a abertura de um Hospital de Dia de Oncologia no Hospital de Alvor. Pode adiantar-nos como se irá estruturar?
O Hospital de Dia de Alvor surge como necessidade de resposta a uma preocupação constante por parte do Grupo HPA na melhoria do acesso aos cuidados de saúde oncológicos no Barlavento. Irá ser aberto adotando modelos semelhantes aos existentes no Hospital de Dia da Unidade de Gambelas e contará com enfermeiros e médicos experientes na área de oncologia. Neste momento já se realizam terapias orais e subcutâneas assim como endovenosas, no entanto no próximo ano os tratamentos mais complexos já poderão também ser realizados no local dedicado à área oncológica.